uma experiência antianalítica

        Na antessala do divã, ela antecipava a sessão.  À espera, sentada num sofá de dois, uma música tocava alto e dividia as notas com a lima da pérsia que discretamente perfumava o ambiente.  À sua frente, uma reprodução barata dos girassóis de Van Gogh. Ao lado, a mesa amarela que servia de apoio às lamúrias e queixumes cedia espaço para os contos de Borges. Lembrara, então, o porquê de estar ali. Sonhava em castelhano. Lia Cortázar antes de dormir e, a princípio, pensava que isso perturbava suas noites insones. De imediato, tentou abandonar o último round e encarar aquele velho tomo de Virgina Woolf. Tentaria também o suicídio? Lembrou do teacher do colégio, que se dizia PhD em Plath e Joyce e quando embasbacado punha as mãos a rezar e repetia unbelievable!. Ahhh, aquele colégio cristão e seu inconfundível uniforme azul. Afinal, por que sua mãe insistia na bainha da saia nos joelhos? Saberia ela seu real tamanho?

Pega o livro de Borges. Na dedicatória, em letras miúdas:

[Helena,
Borges haveria de celebrar este nosso reencontro.
com amor,
JL]

Um desencontro que repete um antigo encontro. JL de Jorge Luis. Demasiadamente óbvio, pensou.  A porta se abre e um homem atravessa a antessala. Gordo, choroso, em crise. Eu não tenho problemas, pensou. O que fazia ali? Sonhava em castelhano, apenas. Bastaria ler Cortázar pela manhã. Já não tinha o hábito de repetir roupas e menos ainda encontros. Usava saias no joelho por opção e não mais pela imposição de sua mãe. JL de Jacques Lacan!, matou a charada.

Ele abre a porta e a chama. Para ela, a sessão já estava terminada.      


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