uma ateia no templo portenho de Edir Macedo
Ao entrar, o pastor é ovacionado
pela plateia formada por longas saias e ternos risca de giz. De microfone em
punho, anuncia:
- Gloria a Deus, Aleluia!
À sua frente, alinham-se fileiras
de fiéis em busca de um alento divino. Juntos, em pequenas variações de clave,
eles se manifestam:
- Aleluia, Gloria a Deus!
Assim tem início o culto
evangélico na Igreja Universal do Reino de Deus no bairro Almagro, em Buenos
Aires, onde ocupa quase uma quadra da Avenida Corrientes, uma espécie de
avenida paulista dos portenhos. Mas essa também pode ser a reprodução fiel de
qualquer uma das igrejas espalhadas nos países dos cinco continentes em que a
Universal está instalada, como Rússia, Letônia, Moçambique, Grécia, Japão,
Equador, México e Austrália.
Criada há 40 anos, a igreja
comandada pelo bispo Edir Macedo está presente em mais de 17 países. Só na
Argentina são 266 igrejas que, além de encontros diários, promovem atividades
sociais, programas voltados à educação espiritual das crianças e auxílio
emocional para problemas familiares. Em Buenos Aires, o templo de Edir Macedo
também atua nas ruas, por meio do grupo de evangelização, e tem projetos
específicos para as mulheres, como o Godllywood, que busca a “valorização da
figura feminina na sociedade por meio das orientações de Deus para as
mulheres”, o projeto ItelliMen, dedicado aos homens, e também o grupo Calebe,
voltado à terceira idade. Em Almagro, a catedral pode abrigar até quatro mil
pessoas.
Ao entrar na Universal portenha,
não sem antes passar pelo crivo de um dos cinco seguranças que se comportam à
la agentes secretos do bispo, fui recebida por uma mulher, uma espécie de
hostess do templo de Edir Macedo. Ela me conduziu até o salão principal, onde
centenas de fiéis aguardavam pelo pastor.
- Glória a Deus! Aleluia!
Apostando em um espanhol
macarrônico, o pastor faz uma reflexão sobre a crise econômica, o desemprego e
a pobreza. A solução, ele diz, não está lá fora, mas dentro da igreja, no
evangelho.
- Nada resolve lutarmos contra o Macri,
reclamar da Cristina ou esperar que alguém lá fora nos tire dessa crise. A
solução, meus irmãos, está aqui dentro. Devemos nos unir e eleger os nossos
representantes.
- Aleluia, Gloria a Deus, rugia a
plateia a cada ideologização do pastor.
Ontem, continuou o pastor, no
nosso culto dedicado às causas dos empresários, eu voltei as minhas orações à
prosperidade de seus negócios. Se tem algum empresário que não pode estar aqui
ontem, venha aqui em frente por favor.
Em menos de um minuto, 17 ternos
risca de giz e três longas saias se aproximaram do púlpito. Outra dezena de
empresários ficou de pé e permaneceu onde estava, dada a dificuldade de
locomoção.
- Como você se chama?
- Cristóbal.
- Qual é o seu negócio e qual o
seu problema, irmão Cristóbal?
- Tenho uma fábrica de tintas em
Villa Crespo. Fui assaltado três vezes no último mês. A falta de segurança vai
me levar a fechar meu negócio.
Com a mão esquerda na testa de
Cristóbal, o pastor prega algo inaudível. Ainda assim, o rebanho é novamente
orientado a repetir as palavras de ordem:
- Gloria a Deus, Aleluia.
O pastor segue o périplo até chegar à mulher
empresária. Amália Flores é nordestina de Aracaju e há dois anos vive em Buenos
Aires. Ela é gerente de um pequeno salão de beleza no bairro Boedo. Amália está
ali para agradecer e orar pelo Brasil que “enfrenta um momento muito ruim”. Ele
pede então que Amália fique de joelhos e entrega o microfone a um de seus
discípulos. Com as duas mãos sobre os cabelos pranchados de Amália, o pastor
louva a Deus.
- Aleluia, irmãos!, e dirige-se
novamente aos fiéis: Você que é empresário e quer melhorar seus negócios, a
Universal está em 170 países. Você quer abrir o seu negócio nesses países?
- Glória a Deus senhor!
Em um país como a Argentina, onde
metade da população parece acomodada em um divã, a evangelização assume para as
classes populares quase um tratamento psicanalítico. Ajoelhados em um banco de
madeira, eles creem que todos que lá estão, desde que respeitados os protocolos
divinos, serão salvos. Ali, alguns males da vida moderna, como angústias
existenciais e depressão, são atribuídos ao “satanás” e os pastores são os
legítimos libertadores dessas moléstias.
Tal qual no Brasil, as promessas
de aumento salarial, quitação de dívidas e sucesso financeiro assumem um
caráter central na evangelização da Universal em Buenos Aires. É também ali,
perante o pastor, que milhares de fiéis subordinam a espiritualidade às
necessidades do capital e formam consenso contrário em relação a temas caros à
sociedade, como o direito ao aborto seguro, o direito civil igualitário à
população LGBT e mais uma dezena de ataques aos direitos e outros tantos
retrocessos.
O fato é que mesmo uma ateia que
clama a deus apenas na turbulência pode se sentir acolhida naquele espaço.
Quando entrei no templo de Edir Macedo, motivada por um desejo quase divino,
não sabia ao certo o que encontraria. Sobrevivi ao experimento e não me
converteram.
>> Texto originalmente publicado no Portal Desacato. Pode ser acessado aqui.
>> As fotos são de Leonardo Regis.
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