uma crônica inospitaleira
Acumular quedas, eis minha
especialidade. No último sábado, com 39.7 graus de febre, experimentei tombar
para trás sem apoio. Não consegui evitar a queda e 16h50 dei entrada na
emergência do hospital. Inospitalidade. Não há ambiente mais inóspito que o
hospital. E àqueles que pouco confiam na medicina e não tem um médico para
chamar de seu, padecem ainda mais. Meu diagnóstico.
- Sinto
dor, tontura, frio. Desmaiei duas vezes em menos de oito horas. Tenho sono.
E nada
vem do outro lado. Nem um suspiro nem um alento. O médico não acolhe o
sofrimento. Talvez amparar a dor do outro tenha sido eliminado do último código
de ética. Ou pareça um tanto proustiano desejar um “vai ficar tudo bem”,
assertiva que ali teria o gosto daquele beijo de boa noite da mãe.
- Preciso
de exames.
Um
enfermeiro capaz de me provocar algum riso me acompanha. Ele conta que foi
estagiário no Carandiru e de lá seguiu para o Pinel. – Os caras saem de lá pior
que entram, dizia enquanto me acomodava na maca. Espero que não se repita comigo,
pensei. Eis que o enfermeiro capaz de me provocar algum riso começa a me furar.
Três agulhadas, 750mg de paracetamol e uma recomendação: você precisa urinar. Preferi
dormir. Acordei com aquele olhar blasé
à la fim de plantão. – Teus exames
não estão bons. Preciso de uma tomografia.
- Prenda o ar nos pulmões. Agora respire, ordenou a máquina.
Por
sete minutos, num vaivém de quem entra e sai do claustro, mantive os olhos
fixos no teto e aquela sensação indistinta que um cenário inquietante pode
trazer. Pensei no que ainda não vivi, no que ainda está por vir, naquilo que me
falta. Uma voz feminina interrompe: - Vou soltar o contraste. Você vai sentir
calor, o corpo formigar e vontade de urinar. Pense em algo bom. Pensar no tom azul,
uma mansidão capaz de acalmar a alma. Soava poético para mim.
Não há leito confortável dentro de um hospital. Mas a aspereza não está nos lençóis que cobrem a maca, na dor que grita ao lado, na mortalidade e no meu espanto. A dúvida é que consome. Sairia dali? Provavelmente, pensava. Ainda assim, é tênue a linha que separa a incerteza da racionalidade. Naquele instante, a única certeza é a da trégua. É preciso parar, respirar e soltar o ar dos pulmões. Sem ajuda de aparelhos.
sobreviveu ???
ResponderExcluirapenas para escrever a crônica. :)
ResponderExcluirNa minha condição de turista eventual, só agora tomay conhecimento. Há um abismo temporal de pelo menos 12 anos desde a época em que a Manulíndia me contava tudo sobre ela (e o entorno). Mas o espanto causado pela notícia (e com muito atraso) terminou bem em pelo menos dois níveis: 1) minha lindzinha está bem (e não perdeu a acidez do humor que eu a-mo); 2) descobri a existência deste blog - sim, Manulíndia, eu não sabia dele até o momento (e vai pra minha minúscula lista dos blogs que têm o que dizer). <3 U!
ResponderExcluirChuchi, linda! Que bom te ler por aqui!! O blog não é recente, mas voltei a escrever faz pouco... Saudade de você e de dividir meus causos contigo! Volte sempre 💙
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