porteñidades

Conheci Jaime Ricardo no cinema. Eu, sozinha e de tênis. Ele, solitário e de corbata. Era a exibição de um documentário político na Buenos Aires da Argentina kirchnerista. Numa sala mais vazia que cheia, sentei na oitava fileira, poltrona H, à espreita de quem entra.

Jaime senta ao meu lado. Ainda com a luz acesa, ele, beirando os 80, anuncia que é solteiro.

- Não sou viúvo. Nunca casei.

Apaga a luz. Sobe o som.

Ao fim da sessão, tomamos um café. Jaime não deu trégua. Falou dos negócios que deixou de fazer, de como perde o escasso tempo da vida, do terno que comprou e do amigo que é dono de pizzaria. Não suporta a Kirchner, diz que não há classe média na Argentina, e nada sabe do que penso. Jaime não é bom de ouvido. Ele fala sem parar, pelo calcanhar, e me brindou com três lições nesta última sessão:

1. a retórica às vezes é intima da solidão.
2. a Argentina também sabe fazer filme ruim.
3. é impossível ser feliz sozinho, já disse o poeta.


[recuerdos porteños]

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