Mulheres encarceradas
São muitos
os desastres e amarguras na vida de Beatriz. Encarcerada na preventiva, Beatriz
é mãe de dois e engrossa o número de mulheres brasileiras que foram presas
antes do julgamento. Em 2016, segundo dados do Departamento Penitenciário
Nacional (Depen), a população carcerária feminina era de 44,7 mil mulheres e,
dessas, 80% são mães e responsáveis principais, quando não únicas, pelos
filhos. Ainda segundo o relatório do órgão do Ministério da Justiça, nos
últimos 16 anos houve um crescimento de 698% da população carcerária feminina
no país e 43% das mulheres presas não tiveram seus casos julgados definitivamente. Do total de mulheres
encarceradas no Brasil, 4,6 mil presas são mães de crianças de até 12 anos,
gestantes e lactantes. Beatriz é uma entre tantas.
Conheci Beatriz quando visitei o
Presídio Feminino de Florianópolis, em abril de 2017. Presa do tráfico, à época
ela completava um ano e oito meses de prisão preventiva. Beatriz foi presa de
Ricardo, seu companheiro por sete anos e com quem tem dois filhos, e mais tarde
ficou presa à infração de Ricardo, traficante do Morro do Rosario, em Blumenau.
Beatriz já estava encarcerada à trama de Ricardo antes mesmo de cair ali.
- Eu caí num dia. Ele caiu no
outro.
O mundo de Beatriz caiu por conta
de uma balança de precisão. Os dois filhos, Maria Victoria e Ronaldo, desciam a
rua em um carrinho de rolimã quando a polícia subiu com a viatura. Estavam atrás
de Ricardo, mas Beatriz, pobre e mulher, estava dando sopa e a levaram. Ricardo
foi preso no dia seguinte. E as crianças passaram a morar com a avó materna.
Quando conversei com Beatriz, fazia
13 meses que ela não via seus filhos. Maria Victoria faria quatro anos em maio
e Ronaldo completaria seis em outubro. Não precisei contar a ela sobre o
benefício concedido à Adriana Ancelmo, mulher do ex-governador do Rio Sérgio
Cabral. Em março de 2017, a ex-primeira dama do Rio foi autorizada a cumprir
prisão em casa para poder cuidar dos filhos de 11 e 14 anos. Beatriz assistiu a
tudo na tevê e sabia bem porque ela continuava ali, na preventiva.
- Ela é rica, mulher de
governador.
Beatriz não tem estudo. Ela
cursou até o terceiro ano do primeiro grau e trabalhava de diarista até
engravidar de Ronaldo. Mas não é preciso ser especialista para saber que a
justiça é seletiva, tem classe social e que a lei é para poucos.
Ontem, dia 20, com a decisão
favorável do Superior Tribunal Federal (STF) em conceder prisão domiciliar às
mulheres presas que têm filhos de até 12 anos, lembrei de Beatriz. O pedido de
habeas corpus coletivo foi movido pelo Coletivo de Advogados em Direitos
Humanos (CADHu), em atenção ao artigo 318 do Código do Processo Penal que
prevê, desde 2016, que a prisão preventiva pode ser substituída pela domiciliar
se a acusada for gestante ou mãe de filho de até 12 anos incompletos. A partir
da publicação do resultado do julgamento do STF, os Estados vão ter 60 dias
para cumprir a decisão. Beatriz, presa com uma balança de precisão, talvez possa
celebrar em casa o aniversário de cinco anos da filha caçula.
Texto publicado na coluna A Outra
Reflexão, do Portal Desacato.
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