Quem controla o controle remoto?
“A melhor
forma de regulação da mídia é o controle remoto. Quer mudar de canal? Muda de
canal. Não precisa o governo regular”, disse o presidenciável Ciro Gomes em
entrevista na semana passada. Ciro, aliás, repetiu a tese defendida por Dilma
Rousseff e que anos antes foi levada a cabo pelo ex-presidente Lula. Nos oito
anos em que Lula governou o país, as políticas públicas de comunicação
continuaram sendo negociadas e definidas em um ambiente restrito onde tinham
voz os grupos empresariais. A maioria das propostas discutidas e apresentadas
por organizações da sociedade civil e por entidades da mídia independente foram
abandonadas e jamais implementadas no governo petista.
Em um
país com um sistema de mídia concentrado e nas mãos de grupos que somente
defendem seus interesses econômicos, políticos e religiosos, a afirmativa de
Ciro Gomes beira a indecência e insensatez. O controle remoto como meio de
regulação é próprio do discurso daqueles que negam, por oportunismo ou
ignorância, a dominação e a ideologia a que estamos submetidos.
O venezuelano
Ludovico Silva talvez tenha sido um dos intelectuais latino-americanos que mais
avançou no debate sobre a ideologia. Ludo, que continua desconhecido no Brasil,
fez uma releitura do conceito frankfurtiano de indústria cultural para a
elaboração de sua tese da mais-valia ideológica. Nela, o intelectual
venezuelano mostra como os meios de comunicação se converteram no veículo
material que faltava ao capitalismo para criar a indústria ideológica, cujo
alicerce é a alienação e a mais-valia. Nessa indústria, descreve Ludo, não
apenas se ganha dinheiro e se acumula capital, como em qualquer outra
indústria. “Se produz, além disso, um ingrediente específico: a mais-valia
ideológica”.
Na década
de 70, quando o intelectual venezuelano escreveu A mais-valia ideológica, os Estados Unidos ocupavam parte
expressiva da grade de programação no nosso continente e a América Latina
contava com 222 canais de tevê, sendo que 167 estavam nas mãos de empresas
privadas e apenas 55 correspondiam ao setor público. Atualmente, ainda que os
percentuais de transmissão de programas estadunidenses sejam para alguns países
inferiores aos levantados nos anos 1970, os grupos empresariais de comunicação
adotam a mesma estética dos programas televisivos que antes importavam, agora
produzindo seus conteúdos e programas em uma releitura da indústria hollywoodiana.
E o sistema de mídia na América Latina, apesar dos marcos regulatórios
aprovados em alguns países, segue concentrado e submisso ao capital privado.
À época
do estudo de Ludovico, o Brasil se expandia com a telenovela. Hoje, passados
quase 50 anos, a influência da teledramaturgia no cotidiano da sociedade não é menor.
Só a Rede Globo transmite até cinco novelas por dia, sendo três delas inéditas,
e seis episódios de cada novela por semana. Globalmente, 104 países compram
novelas produzidas pela TV Globo. A novela Avenida Brasil, por exemplo, foi
exportada a outros 130 países, traduzida em 19 idiomas e fez a capital Argentina
parar em 2014 para assistir o fim da trama de Carmina y Jorgito. Aliás, isso
rendeu a Rede Globo o troféu Destaque na Exportação de Serviços, reconhecimento
do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior do governo
Dilma pelo licenciamento de 63 títulos para 72 países em 2013.
No
Brasil, não por acaso, as telenovelas são transmitidas em horário nobre e
recepcionam o operário depois da jornada de trabalho. É quando a teledramaturgia
alcança a efetividade de criar homens receptores-passivos da ideologia, como
bem descreveu Ludovico. Basta assistir a um capítulo para perceber a alienação
ideológica presente na trama. Na novela, tem trabalhador que se revolta contra
o patrão e se rebela contra o sistema. Mas nada dá muito certo para esse
empregado e novamente ele é enquadrado e seduzido pela ordem. É um respiro, um
fôlego, para novamente voltar à alienação e ao controle. E a teledramaturgia
também representa o retrato fiel do empregado que trabalha duramente até à
morte, que se submete bem a qualquer prazo e meta e ambiciona ser o patrão, já
que não há subversão e radicalidade possível para um operário dentro da ordem
capitalista. É assim que a indústria ideológica atua, tentando nos incutir uma
interpretação falsa da realidade e alienando a nossa sobrevivência à ideologia
capitalista.
O
jornalismo, com seus factoides políticos e econômicos, opera dentro dessa mesma
lógica, de que não há existência humana possível se esta não estiver atrelada à
dominação capitalista. Por isso, quando um sujeito diz que a melhor forma de
regulação da mídia é o controle remoto, reflito sobre quais forças efetivamente
controlam esse sujeito.
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