Instruções para ler um jornal depois do panelaço
O panelaço batizado de 8N, em alusão à data de ontem, levou milhares de insatisfeitos com o governo Kirchner às ruas de Buenos Aires, Mendoza, Santa Fé, Rosário e às embaixadas do país em Londres, Madri, Sydney, Roma e Nova York.
Enquanto o jornal La Nación calcula 250 mil manifestantes em frente ao Obelisco, monumento símbolo de Buenos Aires; o diário Clarín divulga que 500 mil pessoas protestaram, conforme dados do governo da cidade de Buenos Aires. Já o governador portenho vai além e diz que foram dois milhões, em um contraste ainda maior com o oficialista Página|12 que prefere os números divulgados pelo governo nacional, entre 70 a 100 mil manifestantes.
Inicialmente convocado pelas redes sociais e depois reproduzido e massificado pelos grandes grupos midáticos do país, a manifestação nada tem de espontâneo. A começar pela instrução do tipo de roupa. Camiseta branca, calças escuras e sapatos confortáveis para impedir imagens de senhoras e senhores de grife e legitimar os adversários a serviço de todas as classes sociais. Isto por conta do panelaço de 13 de setembro, quando a lui viton, símbolo de status no Brasil pós-Collor, estampou a capa de alguns jornais oficialistas. Outra orientação é a palavra de ordem. A reinvindicação ao direito de comprar dólares deu vez e voz ao protesto pela liberdade de expressão, combate à corrupção, segurança e contra à “re-reeleição” de Cristina Kirchner.
Imprensa polarizada - Há algo de subliminar em um protesto que grita por liberdade de expressão. A imprensa argentina está polarizada. De um lado, o grupo Clarín, maior conglomerado de mídia do país, que no dia 7 de dezembro, terá que se desfazer de parte substancial de suas licenças para cumprir a Lei de Meios. Do outro lado, os jornais oficialistas e o aparato de propaganda estatal, com agência de notícias, rádio nacional e TV pública.
Quando o Clarín, grupo que detém 270 licenças e controla 47% do mercado argentino, diz que a Lei de Meios é uma ameaça à liberdade de expressão e de imprensa, na verdade defende um privilégio. Embora a lei não trate de qualquer controle de conteúdo, mas abra um novo cenário para os meios de comunicação alternativos, populares e comunitários, o discurso hegemônico segue sendo do atentado à liberdade.
Este embate, entre o Clarín e os periódicos oficialistas, deixou de ser pauta apenas para debate nas redações. É um confronto aberto, interpretado e discutido em qualquer ambiente e classe social. A construção da notícia fica por conta da imprensa, que, cada vez menos legitimada para contar essa história, reforça seu posicionamento político e sua parcialidade.
O 8N, ainda que venha reivindicar direitos, é reflexo desta polarização.
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